Mexeu com uma, mexeu com todas

segunda-feira, 8 de abril de 2013



“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.”

(Simone de Beauvoir)

José Elias Mendes


        Se existe melhor meio pra se começar um artigo do que lançando mão de uma citação clássica sobre o tema, eu não conheço. O fato é que a célebre frase de Simone de Beauvoir – que, a essa altura do campeonato, já virou carne de vaca na boca do povo – se converte com perfeição no pontapé inicial para o relato que pretendo trazer. No último sábado, 09, se deu na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, a (cada vez mais) conhecida Marcha das Vadias, descendente direta de uma manifestação no Canadá no qual se protestava contra a crença de que mulheres merecem os abusos sexuais que sofrem devido ao modo como se vestem. Para não serem vítimas de estupro, recomendou um policial canadense, as mulheres não deveriam se vestir como vadias.
        Já contextualizados – se é que alguém ainda não conhecia essa história – vamos ao que interessa: minha experiência na Marcha das Vadias e o que Simone de Beauvoir tem a ver com isso. Foi lá, no sol escaldante de uma tarde de sábado, que eu acompanhei, orgulhoso, meninos e meninas e senhoras e senhores – dos mais variados credos, cores de pele, sexualidade, cortes de cabelo, ideologias políticas e preferências por sabores de pizza – tornarem-se, não mulheres, mas VADIAS! Vadias, sim! Vadias que saem às ruas em busca de recuperar o seu direito imanente à liberdade. Vadias que querem nada menos do que a felicidade, andar tranquilamente com as roupas que escolheram e poderem se assegurar que, de burca ou de shortinho, todos vão lhes respeitar.
        Pra quem ainda não compreendeu: o que nós, Vadias, queremos é igualdade de gênero. É livrar a sociedade dos grilhões da cultura machista tão intrínseca. É ser respeitada como mulher, dizendo “sim” ou “não” quando bem entender. É ter o direito de escolher qualquer profissão e ter seu trabalho valorizado. É dançar funk (ou forró, ou reggae, ou rock, ou pagode, ou o que der na telha) até o dia nascer. É negar a ditadura da beleza. É não ser obrigada a ser mãe, caso não queira. É colocar as próprias regras sobre o próprio corpo.     Dentre milhares de outras coisas, é não ser tachada de culpada (e vadia!) quando é violentada sexualmente. É não precisar temer a violência sexual!

                                                                                                                           Ananda Dinato
        Um bilhão (sim, você não leu errado) de mulheres já foram espancadas ou estupradas, de acordo com o Relatório da Anistia Internacional. Uma em cada três mulheres do mundo já foram espancadas, forçadas a ter relações sexuais ou submetidas a algum outro tipo de abuso. A Fundação Perseu Abramo contabiliza que, apenas no Brasil, um quinto das mulheres declara espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. Depois dessa ínfima amostra das estatísticas, o que te assusta ainda é o termo Vadia? Nossa luta não é sobre sexo, é sobre violência!
        Não tenho dados oficiais, mas o que vi no último sábado foram (o que me pareceu) algumas centenas de Vadias de todas as idades passando, com rigor, sua mensagem à sociedade uberlandense. O que tenho a dizer é: obrigado, Vadias! Por provarem que nossa voz não pode ser calada. A liberdade é um direito inerente a todos, independente de qualquer categoria dicotômica arcaica e culturalmente imposta. Ninguém nasce mulher, mas todo ser humano nasce livre. E se livre é sinônimo de vadia: tornemo-nos vadias!
 


 

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