“Ninguém
nasce mulher: torna-se mulher.”
(Simone
de Beauvoir)
José Elias Mendes
Se existe melhor meio pra se começar um artigo do que
lançando mão de uma citação clássica sobre o tema, eu não conheço. O fato é que
a célebre frase de Simone de Beauvoir – que, a essa altura do campeonato, já
virou carne de vaca na boca do povo – se converte com perfeição no pontapé
inicial para o relato que pretendo trazer. No último sábado, 09, se deu na cidade
de Uberlândia, Minas Gerais, a (cada vez mais) conhecida Marcha das Vadias,
descendente direta de uma manifestação no Canadá no qual se protestava contra a
crença de que mulheres merecem os abusos sexuais que sofrem devido ao modo como
se vestem. Para não serem vítimas de estupro, recomendou um policial canadense,
as mulheres não deveriam se vestir como vadias.
Já contextualizados – se é que alguém ainda não conhecia
essa história – vamos ao que interessa: minha experiência na Marcha das Vadias
e o que Simone de Beauvoir tem a ver com isso. Foi lá, no sol escaldante de uma
tarde de sábado, que eu acompanhei, orgulhoso, meninos e meninas e senhoras e
senhores – dos mais variados credos, cores de pele, sexualidade, cortes de
cabelo, ideologias políticas e preferências por sabores de pizza – tornarem-se,
não mulheres, mas VADIAS! Vadias, sim! Vadias que saem às ruas em busca de
recuperar o seu direito imanente à liberdade. Vadias que querem nada menos do
que a felicidade, andar tranquilamente com as roupas que escolheram e poderem
se assegurar que, de burca ou de shortinho, todos vão lhes respeitar.
Pra quem ainda não compreendeu: o que nós, Vadias,
queremos é igualdade de gênero. É livrar a sociedade dos grilhões da cultura
machista tão intrínseca. É ser respeitada como mulher, dizendo “sim” ou “não”
quando bem entender. É ter o direito de escolher qualquer profissão e ter seu
trabalho valorizado. É dançar funk (ou forró, ou reggae, ou rock, ou pagode, ou
o que der na telha) até o dia nascer. É negar a ditadura da beleza. É não ser
obrigada a ser mãe, caso não queira. É colocar as próprias regras sobre o
próprio corpo. Dentre milhares de outras coisas, é não ser tachada de culpada
(e vadia!) quando é violentada sexualmente. É não precisar temer a violência sexual!
Ananda Dinato
Um bilhão (sim, você não leu errado) de mulheres já foram
espancadas ou estupradas, de acordo com o Relatório da Anistia Internacional. Uma
em cada três mulheres do mundo já foram espancadas, forçadas a ter relações
sexuais ou submetidas a algum outro tipo de abuso. A Fundação Perseu Abramo
contabiliza que, apenas no Brasil, um quinto das mulheres declara
espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. Depois
dessa ínfima amostra das estatísticas, o que te assusta ainda é o termo Vadia?
Nossa luta não é sobre sexo, é sobre violência!
Não tenho dados oficiais, mas o que vi no último sábado
foram (o que me pareceu) algumas centenas de Vadias de todas as idades
passando, com rigor, sua mensagem à sociedade uberlandense. O que tenho a dizer
é: obrigado, Vadias! Por provarem que nossa voz não pode ser calada. A
liberdade é um direito inerente a todos, independente de qualquer categoria
dicotômica arcaica e culturalmente imposta. Ninguém nasce mulher, mas todo ser
humano nasce livre. E se livre é sinônimo de vadia: tornemo-nos vadias!
0 comentários:
Deixe um comentário para esta postagem